Sobre a fragmentação dos corpos e a multiplicação das formas 

_ 2024 
Artista: Camila Fialho   
Curadoria : Thiago Lima
Diálogos : Tadeu Lobato e Ana Sant'anna 

Sobre a fragmentação dos corpos e multiplicação das formas, por Camila Fialho 
Nesta exposição, dou seguimento à investigação sobre a linha como material poético para pensar o desenho e o espaço. A série homônima que dá título à mostra nasce da imagem-semente do meu corpo fragmentado, estendido no chão. Os blocos em uma escala de cinzas viram quadrados em preto e branco sobre a superfície do papel. Estes multiplicam-se, ordenam-se, dialogam com linhas paralelas. Passam de um papel a outro em diferentes espessuras. Encontram harmonia mesmo em meio ao caos. Conformam paisagens urbanas, desérticas, paisagens humanas, epitélios, epidermes. Dialogam com séries de outros tempos, linhas em movimento duro em três possibilidades de construção de quadrado.Criam labirintos entre o fora e o dentro. Forjam pirâmides na repetição dos gestos. Expandem sequenciamentos. Encadeiam-se em fila, desalinham em oito quadrados. Rompem o bidimensional e ganham volume em superfície translúcida, na transparência do vidro.Linhas em branco sobre sete quadrados imperfeitos imprimem o rastro da mão em hesitação. Jogos de superfícies em sobreposição. Exercícios e experimentações. Linhas paralelas delineiam margens, traçam mapas do vazio em formas orgânicas. Formas partidas abrem linhas no espaço da ausência. Paralelos de linhas táteis em diferentes espessuras dividem o espaço, criam um duplo percurso permeável. Paisagens em espelhamento. Círculos em novas composições. Formas de ontem vestem-se de presente entre molduras e vidros aparentes. Linhas de enraizamento transbordam do papel do teto até o chão. Entrelaçam cursos, deságuam na busca por outro rios subterrâneos. 

Porto Alegre, 26 de julho de 2024.


 
Vista geral da exposição, entrando pelo lado esquerdo da sala. Fotos: Rodrigo José 

Sobre a fragmentação dos corpos e multiplicação das formas, por Thiago Lima

        Camila Fialho, nos convida a adentrar em um universo onde a singeleza de linhas revela uma complexidade espacial, volumétrica, emocional e psicológica de grande impacto sensorial e imagético.
A habilidade e sensibilidade da artista é evidente em cada traço meticulosamente, compulsivamente, obstinadamente  e obsessivamente delineado. As linhas, apesar de sua aparente simplicidade, se relacionam, dialogam no espaço, se sobrepõem, se tencionam e se resolvem assumindo formas intrincadas e labirínticas que nos convidam a explorar as profundezas da forma, do corpo, do espaço, da alma, do espírito, da mente, da psiquê. 
        Camila mergulha em padrões que evocam os caminhos poucas vezes serenos e muitas vezes tortuosos do autoconhecimento.  Cada linha é uma jornada em si, uma busca incessante por entendimento, significado e significação.
        Linhas lisas, entrelaçadas, volumes, corpos, criam redes complexas, ora orgânicas, biológicas, ora cartográficas, urbanas e nos rementem a relações com a matéria, com a substância e com a posição existencial do sujeito enquanto ser social e emocional, nos desafiando a contemplar a interconexão de nossas experiências, destacando a importância das relações diante dos caminhos evocados pelos percursos advindos de tais linearidades.
          Com esta multiplicação de formas, Camila fragmenta corpos, desejos, anseios, afetos e  nos leva a uma reflexão sobre nossa própria jornada e memórias diante da carga existencial que nos são reveladas inconscientemente por  tais sinuosas e imprevisíveis linhas que traçam aspectos de emoções, de vida,  que revelam desafios e triunfos aptos a moldar quem somos de modo que cada linha se torna uma narrativa visual, uma história de crescimento, transformação, superação e desenvolvimento, cromático e vital.
        A escolha do fundo como suporte para as linhas pretas não é apenas estética, mas simbólica. O contraste marcante amplifica a intensidade de cada traço, convidando o espectador a contemplar não apenas a superfície, mas também o espaço negativo que permeia a obra e vai além dela. É como se Camila nos dissesse que, por trás da aparente simplicidade, há um vasto universo de significados a serem explorados, nos convidando a uma jornada de autodescoberta que celebra a introspecção e a reflexão na busca por significado e compreensão mútua entre corpo, forma e espaço
        Com sua obra Camila Fialho nos lembra que, por meio da arte, podemos explorar os mistérios da vida e encontrar um sentido mais profundo em nossa existência celebrando a complexidade humana e a beleza que reside em seu potencial criativo, afinal a vida é onde a linha acontece.


Primeiro plano 7 cubos imperfeitos, caneta posca branca sobre cubo de vidro com aproximadamente 10cm de face, 2024.
Segundo plano, paralelos de linhas táteis, intalação site specific, fios de lã, nylon, algodão, elástico sobre espaço e colunas, dimensões variáveis, 2024.
Foto: Nailana Thiely. 


Foto: Nailana Thiely.

A paisagem da Linha, por Tadeu Lobato
        A linha é uma ideia que descreve corporaturas. É uma ação contínua sobre e sob o vácuo que materializa-se na forma das coisas; não escapa-se da linha. Contudo, o traço na sua essência, naquilo que É só ganha consistência no sentido amplo quando existência, o existir visível e invisível vital dentro das configurações fundamentais e claro dentro das obliquidades imaginadas e dentro de todas as torções possíveis com a linha.
        Dessa forma podemos sentir : os pontos, os rastros e os atritos no vácuo desenhar em horizontais, verticais, diagonais, espirais, pensamentos, sensações, energias e ritmos que abrem os múltiplos percursos que formam as paisagens que articulam as complexidades do mundo. O Cosmo é uma paisagem em linhas. É observando e sentido esses universos, versos, reversos que Camila Fialho entra para listrar seu trânsito aranha, uma Penélope inversa que não desarma para recomeçar, desarma para continuar, correr o risco, riscar as coisas.
        Cenário interessante desde que seja avistado como um horizonte de múltiplas perspectivas, vários pontos de fuga, que pede um olhar sentido, reflexivo em profusos aspectos, um projeto de fuga em constante escape que infiltra-se no espaço e é infiltrado pelo mesmo, infiltrações que planificam uma espécie de geografia imaginativa na forma de uma topografia que não é avistada de cima e sim de dentro e dos lados, sinalização inversa da orientação topográfica que inclina para uma desorientação, um outro sentir alturas e níveis em fluxo impressão, atilhos sobre a superfície plana do papel e no mais profundo do plano pelo desejo da perspectiva, projetar-se para fora na arena do tridimensional.
        Corporaturas; corpo-lugar, território fora do território sobre meridianos e paralelos, movimentos particulares, moleculares, um entre ações e repousos, agrimensura do corpo, um levantamento epitelial sobre a paisagem epidérmica celular poliédrica, uma geodésia no âmbito do plano em linhas ascendentes e descendentes para desorganizar as percepções e os caminhos o desconhecido dentro do que está ainda conhecido, uma vez que: “ conhecer é inventar “ sempre em busca de outro gesto imerso no tempo da linha que é linear infinito, circular em círculos, poliédrico em dimensões variadas, o "tempo incolor" se materializa no espaço onde a vivência da linha acontece num trânsito entre : o tempo virtual e o espaço empírico em extensão invisível...
23 de julho, 2024, XXI

  

Linhas de enraizamento I, instalação in situ, desenho, nanquim sobre papel, fios de nylon, 2024.
Fotos: Nailana Thiely.