Tintas Aurora
exposição individual de Duane Bahia | Projeto Vitrine 2014
acompanhamento curatorial Camila Fialho
28 de junho a 02 de agosto de 2014
.Aurora, São Paulo/SP
Fabriqueta de Tintas
por Camila Fialho
No nicho destinado ao Vitrine, em prateleiras fixadas à parede, trinta frascos de tinta, distribuídos igualmente em três cores primárias: amarelo, vermelho e azul. Sobre a mapoteca, um papel para testes, pincéis e tintas à disposição do público. Nas gavetas entreabertas, o corpo do processo fragmentado em etapas diversas.
Tintas Aurora, trabalho proposto por Duane Bahia Benatti para apresentar no projeto Vitrine, parte de uma ideia aparentemente simples, fabricar tintas a partir de uma pesquisa voltada a receitas artesanais e ingredientes cotidianos.
Mas o que leva um artista em pleno século XXI a querer fazer sua própria tinta?
Essa indagação primeira traz ecos da relação do homem com a matéria ao longo de sua história: as inscrições rupestres com cerca de 30.000 anos; o nanquim, criado pelos chineses há mais de 2.000 anos; e as tintas corpóreas utilizadas por nossos índios que ainda hoje usam urucum e jenipapo como pigmentos em sua confecção. No campo das artes, incontornável associarmos a prática da fabricação de tintas aos pintores renascentistas, e em contextos mais recente, a nomes como o de Yves Klein[1] e o de Volpi, com suas bandeirinhas pintadas com têmpera que ele mesmo preparava.
Contrastando com o modus operandi de nossa sociedade tecnológica e de consumo, Benatti se volta ao fazer do artesão na busca da fórmula ideal de uma tinta que ele mesmo possa fabricar. Retoma a receita do Volpi que lhe chegou oralmente – 1 gema sem a pele, 1/2 casca de ovo de óleo de linhaça, 1/2 casca de ovo de água e 10 gotas de óleo de cravo – e se lança a experimentações. Debruça-se sobre diferentes pigmentos encontrados em nosso dia-a-dia, café, erva-mate, açafrão, beterraba, feijão, urucum, açaí... Em paralelo, faz testes de tinta artesanal feita à base de terra, cola e água. Opta pela primeira receita para maiores investimentos. Testa, persiste, combina novos elementos, ensaia adaptações, busca mais informações. Retoma contato com um velho amigo da família, Éber L. Ferreira, um pesquisador de pigmentos naturais que o auxilia a ajustar a receita de Volpi e o inicia em etnobotânica.
Cores, texturas e cheiros se misturam aos papéis usados como suporte para os testes. Ruídos da matéria primeira, pequenos grãos conferem maior densidade e espessura à tinta. O ideal de uma receita artesanal adaptada é encontrado e toma corpo em três tons primários: amarelo faveiro (com uma pitada de açafrão), vermelho carmim e azul índigo.
A presença da tinta pode ser observada em trabalhos anteriores do artista, mas não propriamente aplicada ao uso bidimensional de tinta sobre tela. Camadas e mais camadas de acrílica escalpadas formam uma massa e dão corpo a fósseis de cores, acoplam-se direto à parede ou sobre mesas. Tinta sobre tinta, pintura e objeto.
Aqui, a confecção da tinta matéria-prima. Tintas Aurora se constitui no limiar entre processo e obra. Em seu desenlace, a tinta é tornada objeto de consumo, embalada em frascos devidamente rotulados, pronta para venda.
Lembranças dos ready-mades de Duchamp, frascos comprados por atacado. Nas tampas, os rótulos do produto – logo do .Aurora, indicação de uso e ingredientes – trazem consigo traços de uma crítica à indústria e ao consumo, emprestados direta ou indiretamente da Pop Art e do Nouveau Realisme. O conteúdo – resultado do labor do artista-artesão, em cores e texturas próprias do sujeito que as criou – daí se expande nas possíveis obras que poderá compor.
A tinta agora é corpo e objeto, em três cores acondicionadas em frascos de 320ml, cuidadosamente enfileirados em prateleiras brancas, desenvolvida especialmente para o projeto Vitrine do .Aurora. Uma brincadeira com o próprio mercado das artes, entre obra de arte e materiais artísticos. As Tintas Aurora, assinadas por Duane Bahia Benatti, podem ser adquiridas por módicos valores ao longo da exposição.
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[1] Em 1960, Yves Klein registrou o International klein bleu, sob o enveloppe Soleau N° 63 471, junto ao Instituto Nacional (francês) de Propriedade Industrial, dentro do qual continha a descrição da tinta que ele mesmo obtinha com a mistura de determinados pigmentos, protegendo assim a composição química do azul IKB.
https://pontoaurora.wordpress.com/2014/06/23/duane-bahia-vitrine-2014/