Pariwat jenipapo


exposição de Denis Rodriguez e colaborações diversas
curadoria processual: Camila Fialho 
resultado de residência artística realizada no âmbito projeto Não sou daqui, nem sou de lá, contemplado pelo Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 12a edição.
Associação Fotoativa, Belém/PA.
11 de dezembro de 2016 | 11 de fevereiro de 2017

Forma para experiências

A começar pelo título, a exposição Pariwat Jenipapo de Denis Rodriguez traz em diferentes suportes dimensões variadas da potência do encontro. Os trabalhos apresentados despontam de uma confluência de trocas com artistas e agentes locais que acompanharam a estada do artista em Belém/PA ao longo do último mês. Os objetos presenteados/ apropriados na construção das instalações funcionam como signos indiciais dos caminhos percorridos pela cidade, arquipélagos navegados ao acaso. O tempo da experiência se projeta nas coisas ganhando novas conformações e significados.

Cama de gato um emaranhado de informações, aproximações e sensações entre a descoberta de uma antiga fábrica de velas na Cidade Velha e o encantamento que se conforma em mãos de cera. No processo, de um lado o achado, de outro o trabalho no espaço. A mão que trama, tenciona, a mão que amarra, a mão que pede, suspende.

Guarde-me se puder equilibra-se na escalada do sonhador. Bachelard apropriado ou construído, ecos de palavras do próprio artista – meu mundo é uma provocação. O ir e vir das buscas. O que se guarda e o que se expande para além da torre de memórias esquecidas dentro de uma gaveta.

Minha casa, minha dívida – cidade alta, cidade baixa promove o jogo das distâncias entre as vias de acesso ou sua ausência. Frágil, instável. Na imagem do andaime improvisado, as palafitas. A aranha muda das caixas de som de aparelhagem, o mundo invertido. Entre o visível e o invisível, o invisibilizado. Na parede, outras cadências de uma paisagem fabricada, linhas entre preto e branco, pássaros em revoada.

Na passagem, o silêncio dos tempos congregados – uma sobreposição. Nas andanças pela cidade, o olhar do artista é captado pelo cenário de outra época que resiste em plena Presidente Vargas. Memórias estagnadas entre as prateleiras de vidro da Fialho & Ervas. Ruinas internas e externas em reflexos ausentes. Minúcias observáveis através de uma fotografia, desvio de real ou ficção nas asas de um leão marinho alado.

Na alcova, o paralelismo dos tempos em Águas corredias. Entre o analógico-digital, duas autorias. Referências imagéticas de respiros sobreviventes, reincidentes. Preto e branco, colorido, grão e pixel. Em um dos canais, a imersão no arquivo de Miguel Chikaoka dos anos 1980/90. No outro, as deambulações do próprio artista. Os primeiros contatos com o Porto Vasconcelos e o Seu João. A residência do coletivo Aparelho no Porto do Sal. A descoberta do cemitério de barcos na região portuária da Cidade Velha, ao lado da fotógrafa Débora Flor. Outros encontros. Um percurso.

Da imagem à matéria. Os flutuantes de pesca contrastam sua imponência geométrica na arquitetura da casa, Forma para experiências com bandeira. Estacas, cubos, cordas, cilindros. Deslocamentos. Das coisas e do próprio artista. O corpo que desliza pela cidade também engendra geometrias, estas captadas e desenhadas por geolocalizadores. Dispositivos digitais, escala humana do que alcança a perna.

A atmosfera do rio sobe as paredes, estende-se pelo chão, invade o quarto. O cheiro do lodo. Em solo, a faca pesa seu peso na boia que já não flutua. Forma para experiência com faca. Terrenos inacessíveis por onde não andar. O medo delimita o passo, direciona a outros caminhos, outras pessoas.

O encontro com a antropóloga Cynthia Cárdenas e com os povos indígenas Tembé, Kayapó e Gavião, na SESAI em ocupação, permitiu ao artista experienciar a pintura corporal e a luta por saúde e direitos básicos. Idealizadas nas possibilidades abstratas, sem garantias de execução, geometrias provisórias finalmente são desenhadas na pele. Pariwat, para os mundurucus, o branco estrangeiro, aquele que não é índio. Pariwat jenipapo. O eu que é outro. O autorretrato. A experiência de ser invisível ou arrancar olhares estranhos. O gringo pintado denominador comum do selfie em uma Amazônia exotizada.

Na urbe, para apreender a mata em pequena escala, uma estufa de plantas. Na grande bolha, fragmentos de uma natureza enclausurada em um mundo artificial. Flores de plástico suspensas hipnotizam Borboletas viciadas. Adestradas, dançam no espaço delimitado, concentram-se, espalham-se. À noite, recolhem-se em revoada, adormecem paradas. No looping do grande formato, outra vez o bater das asas.

Pela casa, conversas cruzadas da experiência prolongada pela cidade reinventada.

por Camila Fialho
Belém, 11 de dezembro de 2016.

fotos: Denis Rodriguez e Leonardo Remor

http://www.fotoativa.org.br/?p=9874