Narrativas erráticas
exposição individual de Martín Pérez
curadoria Camila Fialho
1 de junho a 1 de julho 2017
Associação Fotoativa, Belém/PA
Errar. Errar outra vez. Errar na mesma direção e na direção inversa. Errar de novo. Errar melhor, diria Samuel Beckett em uma releitura apropriada.
Narrativas erráticas toma forma em deambulações realizadas por Martín Pérez nas muitas cidades que o habitam. Do encontro com o outro – pessoa comum, personagem, alter ego – se conformam pequenos universos paralelos. O olhar recorta e recria o instante da fotografia encenada, improvisada ou capturada em cenários postos ao revés, muitas vezes do acaso.
A mostra reúne um recorte de trabalhos já apresentados – A Cidade, Palacete Faciola e Réquiem para Bayard – e trama-se com obras ainda inéditas propondo novas narrativas atravessadas umas pelas outras. Os diálogos entre as linhas aparentemente estanques das séries previamente elaboradas se estabelecem no espaço.
Alice e seus olhos arregalados desde os escombros do Palacete Faciola dão as boas-vindas ao fundo de um tango. O corpo tombado sobre caixas conforma A Cidade espelhada que se projeta para dentro das salas do antigo prédio do INSS e reverbera nas paredes do Casarão. Do sonho do vestido rosa, o coelho vermelho de terno em corpo humano. A síntese de universos complementares, também em cores.
A degradação do mundo contemporâneo e suas estruturas ao alcance da vista. Dali pulsa a vida estagnada nas cenas insólitas abrigadas pelo abandono do ambiente empoeirado – o jogador de xadrez, as pernas sob a mesa, o elevador-gaiola que abriga a mulher catatônica. As impressões urbanas distanciam-se dando lugar ao mergulho nos olhos que sonham acordados. O fotógrafo errante. E nos caminhos percorridos e em seu próprio arquivo oriundo da contingência cotidiana. A fragilidade do suporte ecoa nos lapsos dos tempos sobrepostos da memória. O vasto arquivo de grão e luz. No contraponto espacial, o corpo-morto, enclausurado pelas paredes, liberto pelas portas que se abrem em todas as direções, como a música incidental e o lençol branco do silêncio.
A um passo de distância, outra vez o renascimento na leveza da criança-moça que brinca. Dípticos em rearranjo. A venda nos olhos, o equilíbrio. A moldura envolta no corpo, o enquadramento de uma perspectiva em declínio. O tempo da queda.
Em nova incursão, o espelho sobre o rosto expande o fruir para dentro de quem vê – a infância ao longe. Para dentro de si, o corpo sem cabeça do trabalho que se perde em outras instâncias do existir.
À distância, uma figura etérea sobe uma escada que dá para o nada. O verde das paredes bastam à percepção – outdoor-indoor. Cuencos tibetanos para meditação fundem-se ao corredor à meia-luz. O afogado mergulha num sono profundo abençoado por um santo cujas mãos não estão. No recomeço dos planos das tensões imagéticas, Arranjos acidentais erram em repetições.
Sem começo, nem fim, as muitas cidades de Pérez são inventadas em uma realidade palpável não linear em construção sobre a ruína do que já foi um dia.
por Camila Fialho
Belém, 1º de junho de 2017