Caxina Machu | O império das sementes vazia


_ 2018/2020 _ obra _ RaioVerde [Camila Fialho + José Viana]
diptico, fotografa, 17cm x  180cm  


Experimentação fotográfica fruto de ação performático-instalativa realizada em sítio específico: uma montanha de sementes de andiroba abandonadas em um dos galpões industriais de Fordlândia.

Trabalho realizado no âmbito de residência artística organizada pelo coletivo Suspended spaces, em Fordlândia/PA.

Luz do Norte, Festival de Fotografia de Tiradentes/MG  2020|2021
Curadoria: João Castilhos e Pedro David
Câmera Sete: Casa da Fotografia de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG, out./dez
http://fotoempauta.com.br/festival2020/luz-do-norte/

Prêmio Incentivo às Artes Visuais e Fotografia Paraense : Imagens Cotidianas 2022 promovido pelo Sesc-PA (versão em vídeo disponível em: https://vimeo.com/699846881


CAXINA MACHU

Ruínas sobre ruínas, organizações das mais variadas formas. Como formigas, as sementes se deslocam por campos imensos, não se sabe em busca do quê. No espaço, disposições circulares, retilíneas, feitas de atração e repulsa, afinidades diversas e certa solidão. Aos olhos de gigantes, aquele reino aparentemente amorfo se apresenta como uma verdadeira potência produtiva.

Em Caxina Machu, vive-se rodeado de montanhas de corpos atirados ao esquecimento. Povos saídos de lugares distantes, fugidos, esquecidos no caminho ao sabor do tempo. A linha disforme se desloca e segue o movimento da luz. Ninguém escuta o murmúrio das vozes. Quantos já não teriam seguido na direção do abismo?

Invariável, o ruído é sempre estridente e seco quando os pés superiores pisoteiam as sementes vazias. A forma, única potência que ainda lhes resta, se transforma feito poeira ao vento. Os gigantes, ainda que eternas crianças, são demasiadamente violentos. Em uma fração de segundos, destroem com suas indelicadas botas as desconhecidas, ocas e belas existências. A situação é mesmo de uma fragilidade singular.

Indícios encontrados sugerem oito longos ciclos solares desde o surgimento daquele reino. Pelo lugar que ocupam, há traços de estímulos exteriores, como se fossem imputadas a tal condição. Não está claro a que destino sua existência se dá, dizem que para mão de obra barata na produção de essências rejuvenescedoras ou para procriação da espécie em outras partes do globo.

O trabalho já estava bastante avançado, e Caxina Machu parecia tão distante no tempo. A nossos olhos, aquelas sementes sobreviviam abandonadas como formas indigestas que serviam unicamente de abrigo a outras vidas. Ironia do destino, nosso grupo de cientistas havia ali chegado para dar o devido tom e registrar a história das coisas.

Certa noite, quando voltávamos para a base, uma daquelas pequenas formas vazias nos chamou. Para nosso espanto, ela também falava nossa língua. Com olhos oblíquos, disse que nossos pés estavam vermelhos e que isso podia ser um sinal. Ainda que confabulássemos teorias sobre elas, na realidade dos fatos, sua sorte fora colhida no andirobal, uma plantação criada para atravessar o tempo, demarcando o lugar da mina. Sorrindo cinicamente, ela nos disse, Um dia, voltarão!

Àquela altura, para nós, Caxina Machu passara a simbolizar o Não. Em um passado não distante, as sementes decidiram não aceitar mais aquele tipo de exploração. Não se venderam e ali ficaram, permaneceram. Ora, ora! As relações precisam ser mais horizontais. É quase inconsciente a projeção de seus desejos. O valor de nossas existências ainda é incompatível, incomparável, demasiadamente pequeno diante do valor que sustenta os prazeres do mundo.

Não entendemos muito bem o que a semente quis dizer, mas o fato de falar nossa língua nos deixou consternados.

➀ Caxina Machu foi um termo criado por crianças de Fordlândia, como forma de se comunicar sem que nós, visitantes estrangeiros, entendêssemos o que diziam, como eles, que não entendiam o que muitos de nós dizíamos quando conversávamos entre nós.



CAXINA MACHU - en français

Ruines sur ruines, organisations aux formes les plus diverses. Comme des fourmis, les graines traversent d'immenses champs, on ne peut pas savoir à la recherche de quoi. Dans l'espace, des dispositions circulaires, rectilignes faites d'attraction et de répulsion, d'affinités diverses et d'une certaine solitude. Aux yeux des géants, ce royaume apparemment amorphe se présente comme une véritable puissance productive.

A Caxina Machu, on vit entouré de montagnes de corps jetés dans l'oubli. Des peuples venus de loin, fuyants, oubliés sur le chemin au hasard du temps. La ligne difforme se déplace et suit le mouvement de la lumière. Personne n'entend le murmure des voix. Combien seraient-ils allés vers l’abîme?

Invariable, le bruit est toujours aigu et sec lorsque les pieds supérieurs piétinent les graines vides. La forme, la seule puissance qui leur reste, devient poussière dans le vent. Les géants, bien que des éternels enfants, sont un peu trop violents. En une fraction de seconde, leurs bottes indélicates détruisent les belles existences inconnues, creuses. La situation est d’une fragilité singulière.

Des indices suggèrent huit longs cycles solaires depuis l'aube de ce royaume. Par la place qu'elles occupent, il y a des traces de stimuliexternes, comme si elles étaient imputées à une telle condition. On ne sait pas clairement à quoi sert leur existence, certains disent qu’à la main-d'œuvre bon marché de la production d'essences rajeunissantes, d’autres qu’à la reproduction de l'espèce dans d'autres parties du globe.

Le travail était déjà bien avancé et Caxina Machu semblait si éloignée dans le temps. À nos yeux, ces graines ont survécu abandonnées en tant que formes indigestes qui ne servaient que d'abri à d'autres vies. Ironie du destin (sort), notre groupe de scientifiques était lá-bàs pour donner le ton et enregistrer l'histoire des choses.

Une nuit, alors que nous revenions à la base, l’une de ces petites formes vides nous a appelés. À notre grand étonnement, elle parlait notre langue. Aux yeux obliques, elle a dit que nos pieds étaient rouges et que cela pourrait être un signe. Bien que nous ayons fabulé des théories à leur sujet, en fait, leur sort avait été récolté dans l'andirobal, une plantation créée pour traverser le temps, délimitant l'emplacement de la mine. Souriant cyniquement, elle nous a dit: Un jour, ils seront de retour!

À ce jour, pour nous, Caxina Machu était devenu le symbole du Non. Dans un passé pas si lointain, les graines ont décidé de ne plus accepter ce genre d'exploitation. Elles ne se sont pas vendues et sont restées là-bàs, demeurées pour toujours. Eh bien! Les relations doivent être plus horizontales. Il est presque inconscient la projection de leur désir. La valeur de nos existences est encore incompatible, incomparable, trop petite face à la valeur qui nourrit les plaisirs du monde.

Nous n’avons pas pas très bien compris ce qu’elle a voulu nous dire, mais le faite de parler notre langue nous a consternés.


➀ Caxina Machu est une expression inventée par des enfants de Fordlândia pour se communiquer entre eux sans que nous, les visiteurs étrangers, comprenions ce qu'ils disaient, comme eux qui ne comprenaient pas ce que beaucoup parmi nous disaient pendant la résidence.