Linhas em movimento


_exposição individual _ Camila Fialho
Galeria Theodoro Braga - Prêmio Branco de Melo, de 9 de junho a 7 de julho de 2022.

curadoria: Marisa Mokarzel
acompanhamento técnico: Pablo Mufarrej



LINHAS EM MOVIMENTO, por Marisa Mokarzel

A concepção curatorial da exposição Linhas em Movimento envolve a própria artista, Camila Fialho, e um desenhador de pensamentos muito importante durante o processo de discussões e visualizações das séries e conjuntos de linhas que teimavam em brotar incessantemente. Trata-se de Pablo Mufarrej, que com suas ideias e sugestões contribuiu para a formulação de conceitos referentes à curadoria e à expografia, facilitando a compreensão da dinâmica dos inúmeros movimentos, da formação dos planos, dos desenhos que se expandiam e não se contentavam com o limite do papel.

Para Wassily Kandinsky a linha é “o rastro do ponto em movimento, portanto é o seu produto.” Considera que a linha ao nascer do movimento, emerge do aniquilamento da “imobilidade suprema do ponto.” Em Camila Fialho, no entanto, a linha tanto pode aniquilar a imobilidade do ponto como pode recolher-se e transformar-se no microelemento estático que subverte o ordenamento do visível e cria para si o rompimento do repouso, promovendo brechas, espaços de luz.  O corpo da artista envolve-se com o corpo de linhas em uma intrincada tessitura de movimentos nos quais percebem-se tensões, pressões, cortes e sombras fluindo em retas, curvas em combinações que podem se apaziguar ou tornarem-se desobedientes seguindo rumos inesperados.

O desenho, uma das manifestações mais tradicionais da arte, já ocupou a secundária função de base para a pintura, estruturando o espaço pictórico para que este assumisse o compromisso de criar ilusões, simular o real. Simulação que viabilizou o voo do pássaro em direção às uvas pintadas por Zêuxis, fazendo-o confundir representação com realidade. Os desenhos de Camila são em si a potência de uma categoria que não serve de suporte para outra, ao contrário, é o próprio gesto poético que irrompe e se impõe soberano na estética das linhas, no deslocamento que esculpe figuras e, também, pode criar ilusão de movimentos.

Complexas urdiduras, paradoxos que a arte se propõe em fluxos contínuos e descontínuos de desassossegos. Para subverter a ilusão espacial Frank Stella em sua série Black Painting, realizada entre 1958 e 1960, cria listas ou linhas que são o trajeto do pincel, pronto a conduzir a um único caminho: o da pintura. O artista se posiciona contra a retórica da subjetividade, considera que “o que se vê é o que você vê”. As listas ou as linhas de Camila, algumas vezes obedecem aos cálculos matemáticos, outras vezes comportam-se como torvelinhos. Orgânicas ou partidas, retas ou curvilíneas vão além do que se vê. Podem até ser o que ali está, mas por não existir somente no papel ou na parede e até mesmo por assumir vários corpos e com eles interagir não se limita apenas ao que se vê.

O estudo das linhas, o manuseio com o nanquim, Camila Fialho iniciou nos primeiros meses de 2020. Considera que “andar, escrever, desenhar ou tecer são atividades nas quais as linhas aparecem de forma onipresente, compondo uma trama inesgotável de gestos possíveis.”* No tear desses gestos, foi construindo um jogo de fazer e pensar. No movimento da mão, no segmento da arte deixou escapar o interesse por Giuseppe Penone, artista que faz um trabalho baseado nos materiais, desejando conferir dignidade à natureza e com ela estabelecer uma relação de paridade. Para Penone a “obra está em devir”, para Camila a obra também se encontra em estado de devir, é ao mesmo tempo o processo que delineou a figura, possibilitou a relação com o suporte do papel, com o espaço mais amplo da galeria. É o processo que continua na relação com o público e com ele se transforma a cada dia.

Não há algo acabado, há transbordamentos, ciclos que emigram para outros ciclos. Os corpos dos desenhos jorram do papel, alongam-se pelas paredes ou tornam-se suspensos, quase flutuantes. O espectador, na exposição, não é apenas espectador, mas parte integrante de um conjunto de desenhos, seu corpo está em movimento ad infinitum com as linhas, com os planos, com o próprio espaço.

* Ref. Tim Ingold, Lines: A Brief History, 2007.

pdf do catálogo : 
https://files.cargocollective.com/c729762/Catalogo--web--Linhas-em-Movimento.pdf 

registro fotográfico: José Viana


pulsão em 3 gestos de linhas em movimento, nanquim sobre papel, 75cmx110cm, maio de 2022.  


vista geral da exposição Linhas em Movimento na Galeria Theodoro Braga, junho de 2022. 
no chão, quase quadrado, instalação site-specific em fio encerado, junho de 2022.


3 possibilidades de construção de quadrado (parte 2 ), nanquim sobre paprel, 57x76cm, 2022.


à esquerda, 3 possibilidades de construção de quadrado, nanquim sobre paprel, 57x76cm | 57x76cm | 57x76cm, 2022. 
à direita, quadradro partido, nanquim sobre papel, 75x110cm, 2022. 


linhas e círculos, nanquim sobre papel, 75x110cm, maio de 2022. 


vista geral da exposição Linhas em Movimento na Galeria Theodoro Braga, junho de 2022.


s/ título, da série bordas em transbordamento, nanquim sobre papel, 27x35cm, 2022.  


s/ títulos, da série bordas em transbordamento, nanquim sobre papel, dimensões variadas, 2022.  


encontro de dois fluxos de linhas em movimento expandido I, 75x110cm, maio de 2022. 


vista geral da exposição Linhas em Movimento na Galeria Theodoro Braga, junho de 2022.

          
s/títulos, da série formas orgânicas, nanquim sobre papel, 42x29cm |  42x29cm | 42x29cm, 2022.   


vista geral da exposição Linhas em Movimento, na parede, s/ títutlos da série formas orgânicas.  



linhas em movimento de círculo em expansão, processo. 
intervenção performática, trabalhadora do sensível, desenho, posca sobre parede, dimensões variáveis, junho de 2022.